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Deixar ruir tudo, menos a Essência - Reflexão sobre o Capítulo 3 do Dao De Jing

  • Foto do escritor: Raquel Silva
    Raquel Silva
  • 20 de jul. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 11 de jan.

Continuamos o estudo da obra Dao De Jing (道德經, Dào dé jīng), entrando no terceiro capítulo:


Não elogiar pessoas talentosas evita a inveja.

Não acumular riquezas evita o roubo.

Ao não exibir coisas valiosas

o coração das pessoas não é perturbado.

É por isso que as pessoas sábias esvaziam o seu coração-mente

e enchem os seus ventres (dantian).

Elas enfraquecem as suas ambições

e fortalecem os seus corpos.

Estão livres de conhecimentos e desejos.

Praticando a não ação (wu wei)

vivem em paz e harmonia interior.


O Velho Mestre aprofunda a prática do wu wei dando continuidade à ideia da pessoa sábia como alguém que realiza, mas não se apega às suas realizações.


Na nossa sociedade orientada para o consumo, as pessoas são constantemente avaliadas pelo que produzem ou pelo que possuem. Mas entre ser e ter há uma diferença significativa:

  • Ser é a essência do indivíduo, aquilo que o define e o caracteriza. Ser está relacionado com a identidade, com quem somos internamente, com os nossos valores, princípios e qualidades. Ser é a base do ser humano.

  • Ter relaciona-se com as posses materiais, com aquilo que possuímos externamente. Ter pode trazer conforto e segurança, mas não define a essência de uma pessoa. Por isso o Velho Mestre alerta-nos que cultivar o ter, o externo, coloca-nos à mercê de inveja, perda e roubo... o que obrigatoriamente irá perturbar a nossa paz e harmonia interior!


Arcano XVI - A Torre.
Arcano XVI - A Torre.

Na Jornada do Louco, representada pelos 22 Arcanos Maiores do Tarot, o Arcano XVI - A Torre, associa-se a eventos disruptivos, representando mudanças drásticas, inesperadas e catastróficas. É assustador, mas esta carta é também conhecida como A Casa de Deus. E que tem isto a ver com o Dao?! Estará a questionar-se...


No grego antigo, o termo enthousiasmos era usado quando uma pessoa era possuída ou inspirada por uma divindade, caindo em êxtase ou tendo uma experiência mística - como acontecia no Templo de Delfos! Enthousiasmos deriva de duas palavras: en (dentro) e theos (deus). Assim, enthousiasmos significava literalmente "ter um deus dentro de si".

"Entusiasmo" chegou à língua portuguesa através do latim enthusiasmus, que a adotou do grego, e foi perdendo este sentido original. Por isso, trazendo esta imagem clássica de enthousiasmos para o Arcano XVI, é como se a carta mostrasse este Deus interior a destruir as construções externas - o ter; para que o indivíduo consiga perceber aquilo que permanece - o Ser ou a Essência.


Uma premissa do taoísmo é que tudo muda, tudo se transforma. Quando nos identificamos com as nossas conquistas ou construções externas - a nossa Torre; ao chegar o momento da inevitável mudança, vamos colapsar. Por exemplo, ao entrar na reforma, é normal a pessoa sentir-se perdida ou desorientada perante a mudança de rotina e a ausência das responsabilidades profissionais. Mas a reforma não significa o fim da sua identidade ou do seu valor. Só quando a pessoa acredita que a sua identidade é a sua atividade profissional, ela irá colapsar, em vez de aproveitar o momento para descobrir novos interesses e desfrutar da liberdade e do tempo que agora possui.


Quando nos dedicamos ao cultivo interior, os acontecimentos, as mudanças e as transformações, tornam-se oportunidades de aprendizagem, crescimento e expansão da consciência; não têm o poder de nos destruir porque sabemos que aquilo que realmente somos é inabalável.


Uma ferramenta que nos prepara para estes momentos é a prática da meditação ou da "mente vazia". Segundo o taoísmo, a mente reside no coração (心 xīn), onde também habita o nosso espírito (神 shén), que engloba a nossa energia espiritual, cognitiva e criativa. Quando o Velho Mestre nos diz que a pessoa sábia "esvazia o coração-mente e enche o ventre", ele não nos está a dizer para sentar passivamente sem pensar e ganhar barriga! Laozi convida-nos à prática da meditação e do cultivo interior, especificamente cultivar o dantian inferior, que é uma região energética do corpo.


Existem três dantian (丹田 dāntián): o inferior (próximo do umbigo), o médio (no coração) e o superior (no cérebro). O dantian inferior, ou região abaixo do umbigo, é considerado a base energética do nosso corpo. Assim como uma casa necessita de uma fundação sólida, é essencial cultivar a energia neste centro vital para uma boa saúde e bem-estar. Associado ao elemento água, o dantian inferior requer atenção especial no processo alquímico de evolução espiritual e busca pela essência primordial. Neste processo, busca-se harmonizar o "fogo" do coração-mente com a "água" do dantian inferior.


O fogo do intelecto, se não for controlado, pode consumir-nos com pensamentos incessantes, levando à exaustão mental. Ao integrar o fogo da mente com a água do dantian inferior, cria-se um vapor que se transforma em novo Qi (氣 qì), que é continuamente cultivado até se tornar Shen – o espírito puro. A prática de cultivo visa, então, transformar o shen de volta para o Wuji (無極 wújí), a origem primordial, e finalmente para o Dao, o princípio fundamental do universo. Neste caminho de transformação e transmutação, a conexão entre mente e corpo aprofunda-se, permitindo alcançar um estado de equilíbrio e harmonia com a Natureza e o cosmos.


Zhan Zhuang para Cultivar o Dantian Inferior

A prática de Zhan Zhuang (站桩 zhànzhuāng), é conhecida no ocidente como "Postura da Árvore", "Abraçar a Árvore" ou "Chi Kung da Árvore". A sua prática regular ajuda a aprofundar a conexão dantian inferior, promovendo equilíbrio e harmonia em todo o corpo. Comece com 5-10 minutos de prática diária e, gradualmente, aumente o tempo conforme a sua resistência e conforto melhorarem.


  • Encontre um local tranquilo onde se possa dedicar à prática sem interrupções. Use roupas confortáveis e soltas.

  • Fique de pé, com os pés paralelos e separados na largura dos ombros. Mantenha os joelhos levemente flexionados, não travados. Relaxe o quadril, como se estivesse sentado/a numa cadeira invisível. Mantenha a coluna ereta, mas relaxada (imagine que um fio puxa suavemente o topo da sua cabeça para cima, alongando a coluna).

  • Levante os braços na frente do corpo, como se estivesse a abraçar uma grande árvore (mantenha os cotovelos levemente dobrados, os ombros relaxados e os dedos apontados um para o outro, mas sem se tocarem; as mãos devem estar alinhadas com o dantian inferior, que fica cerca de dois a três dedos abaixo do umbigo).

  • Respire lenta e profundamente pelo nariz, direcionando a respiração para o dantian inferior. Sinta a expansão e a contração da área com cada respiração.

  • Relaxe a mente e permita que os pensamentos passem sem se prender a eles.

  • Foque a sua atenção no dantian inferior e visualize uma bola de energia brilhante a crescer nesta área.

  • Para concluir a prática, lentamente baixe os braços, respire fundo algumas vezes e esfregue as mãos para gerar calor. Coloque as mãos sobre o dantian inferior e sinta a energia acumulada. Termine com uma leve massagem no abdómen, movendo as mãos em círculos no sentido horário.


(Pode assistir ao áudio desta prática aqui e ao resumo da publicação aqui!)


Referências bibliográficas

Instituto António Houaiss de Lexicografia (2003). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Tomo III). Círculo de Leitores.

Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.


Entusiasmo. Dicionário Etimológico - Etimologia e Origem das Palavras. Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/entusiasmo/. Consultado em 20 de julho de 2024.

OpenAI. (2021). ChatGPT [Software]. https://openai.com/

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