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Fazer, sem agir- Reflexão sobre o Capítulo 2 do Dao De Jing

  • Foto do escritor: Raquel Silva
    Raquel Silva
  • 14 de jul. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 11 de jan.

Continuamos o estudo da obra Dao De Jing (道德經, Dào dé jīng), entrando no segundo capítulo:


Debaixo do Céu toda a gente sabe que a existência da beleza

depende da existência da fealdade.

Toda a gente sabe que a capacidade de bondade

depende da existência da crueldade.

A existência e o nada nascem mutuamente,

o difícil e o fácil completam-se,

o longo e o curto moldam-se um ao outro,

o alto e o baixo repousam um sobre o outro,

o som e o silêncio harmonizam-se,

o antes e o depois seguem um ao outro.

Por isso, a pessoa sábia

habita no mundo da não-ação (wu wei),

e pratica o ensino sem falar.

Os dez mil seres sobem e descem

e ela não os reivindica.

Ela cria mas não os possui.

Trabalha, mas não se responsabiliza por isso.

Porque ela não se responsabiliza pelos seus feitos,

eles durarão para sempre.


O Velho Mestre fala-nos de como a realidade é relativa e interdependente. Yin e Yang (阴阳 yīnyáng) representam as dualidades complementares, como o lado sombrio e soalheiro de uma mesma montanha. O que é pequeno para uma pessoa pode ser enorme para outra, o que é difícil para um ser pode ser fácil para outro, o que é lento para mim pode ser rápido para si... e assim por diante.


Na perspectiva ocidental, consoante exposto no Caibalion, a isto deu-se o nome de Lei da Polaridade:

"Tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos tocam-se. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados."

A polaridade revela que os opostos são apenas extremos da mesma coisa. Tudo se torna idêntico em essência. O polo positivo (+) e o negativo (-) da corrente elétrica são uma mera convenção. Claro e escuro são manifestações da luz. Compreendendo a polaridade como um espectro, cada indivíduo possui a sua própria "verdade", baseada na sua interpretação única do mundo.


Para o taoísmo, a diversidade é natural e faz parte do fluxo do universo, refletindo a manifestação do Dao, tanto individualmente quanto coletivamente. É importante reconhecer e respeitar a diversidade de visões e interpretações, pois é a eterna dança das dualidades que enriquece a experiência humana e revela a complexidade do universo.

Não podemos julgar as experiências alheias com base nas nossas vivências, pois cada pessoa e cada ser possui as suas percepções pessoais únicas. As cores, sons, paladares e mesmo os sonhos que percebemos são fruto das nossas interpretações pessoais, que podem diferir completamente das de outras pessoas. E assim é, não é um erro de design! Aprendemos pelo contraste: consegue ler este post porque o texto está escrito numa cor que contrasta com o fundo da página; da mesma forma, consegue "ler" a vida porque as suas vivências contrastam com o Todo. Isto é o natural. Os problemas surgem quando nos apegamos aos nossos próprios sonhos, experiências e opiniões; quando acreditamos que são os únicos, os verdadeiros, ou os legítimos... Por isso, o discípulo do Velho Mestre, Zhuangzi, nos diz:

"É quando desistimos das nossas opiniões pessoais que vemos as coisas como elas realmente são."

Para isso Laozi apresenta-nos um método: wu wei. Muitas vezes traduzido como "não ação" ou "sem agir", na prática significa não exagerar. Significa não fazer nada ao extremo, como comer demais ou exercitar-se demais, que geram dor de barriga e exaustão! Significa fazer apenas o suficiente e não mais do que isso.


A harmonia vem do justo meio, desobedecer a esta Lei é oscilar entre os polos sem nunca aquietar e encontrar o ponto de equilíbrio. O sol é maravilhoso, sustenta a vida na Terra com a sua luz… porque não vamos então viver no sol? Por causa do justo meio, podemos dizer que a Terra se encontra na medida do justo meio face à luz do sol e à escuridão do cosmos, e por isso a vida - tal como a reconhecemos - prospera aqui e não em Mercúrio!


Wuwei significa não fazer nada contra a Natureza ou contra a nossa própria natureza. Significa usar a menor quantidade de energia para conseguir fazer o máximo. Significa não forçar, não se esgotar a tentar fazer com que algo aconteça - seja uma obra de arte, um trabalho ou mesmo uma relação... Porque ignoramos isto, polarizamos, e quanto mais puxamos para um polo mais abrimos a manifestação do outro. Vivemos numa época em que é esperando estarmos sempre felizes, de boa disposição e com capacidade produtiva, não nos é permitido viver plenamente um processo de luto, por exemplo; e para manter estes estados de atividade recorremos a artifícios, como tomar café e estimulantes ao longo do dia e à noite, para conseguir descontrair e adormecer, tomamos "só um digestivo” ou "um relaxante muscular"... nada de grave, até perceber que já não "funcionamos" sem eles! Vivemos em eterno verão – espaços aquecidos, excesso de exposição à luz (não natural) – e o nosso corpo, iludido, está preso num estado de preparação para um inverno que não chega, então sofremos pelo constante desejo de alimentos doces e ricos - típicos do verão - só que como o inverno e a sua escassez não chega, acabamos por desenvolver problemas de obesidade, diabetes, entre muitos outros… Não respeitamos os nossos ritmos nem os ritmos da natureza, e isso tem um custo.


Wuwei é "aprender a permitir", deixar que as coisas se desenvolvam à sua maneira e no seu próprio tempo. Segundo Zhuangzi:

"Deixe que as coisas se desenrolem naturalmente e deixe a sua mente ser livre. Aceite o que não pode controlar e continue a alimentar o seu espírito interno. Isso é o melhor. Deve estar disponível para agir de acordo com o seu próprio destino. Nada é mais simples do que isto e nada é mais difícil."

A prática do wuwei pode ser desafiadora, pois exige que evitemos o excesso e nos abstenhamos de interferir além do necessário. Ao longo da obra o Velho Mestre insiste neste ensinamento, pois ele é a marca de uma pessoa realmente sábia ou autorrealizada (真人 zhēnrén).


Somos capazes de nos adaptar e, tal como a água, de tomar a forma das circunstâncias em que nos encontramos. Ao adotarmos o princípio do wuwei, podemos fluir com as circunstâncias, mantendo-nos em harmonia com a Natureza e agindo com sabedoria e simplicidade nas nossas ações - e também isto é Caminho.


(Pode assistir a um vídeo com o resumo desta publicação aqui!)


Referências bibliográficas

Chuang Tse (1992). Capítulos Interiores. Editorial Estampa. [Tradução António Manuel Guedes de Campos, sobre a versão em língua inglesa de Gia-Fu Feng e Jane English]

Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.

Três Iniciados (2019). O Caibalion. Marcador. [Tradução de Filipa Aguiar]




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