O segredo das pessoas sábias da antiguidade: equilíbrio, longevidade e o Dao - Reflexão sobre o Capítulo 15 do Dao De Jing
- Raquel Silva
- 2 de mar.
- 5 min de leitura
O Dao De Jing convida-nos a refletir sobre a sabedoria antiga e a forma como as pessoas sábias viviam em harmonia com o Dao. No Capítulo 15, o Velho Mestre descreve essas figuras sábias com imagens ricas e simbólicas, enfatizando a profundidade, a simplicidade e a capacidade de adaptação. Especificamente:
As antigas pessoas sábias
eram mestres em penetrar o Dao subtil e profundo.
Eram tão profundas que não as podemos descrever.
Eram prudentes, como quem atravessa um rio gelado.
Eram vigilantes, como alguém rodeado de inimigos.
Eram cordiais, como hóspedes respeitáveis.
Eram efémeras, como o gelo a derreter.
Eram simples, como o bloco não talhado.
Eram recetivas e amplas, como um vale.
Eram profundas, como a água a correr.
Quem pode simplesmente aguardar em silêncio até que a lama assente?
Quem consegue permanecer tranquilamente imóvel até ser altura de se mexer?
Quem segue o Dao não procura o excesso.
Por não buscar o excesso, envelhece sem resistência
e, ainda assim, renova-se constantemente.
Diferentemente da busca moderna por controlo e certezas, a pessoa verdadeiramente sábia não impõe a sua vontade sobre a vida, mas flui com ela. Mas quem são estas pessoas sábias mencionadas por Laozi? Como podemos inspirar-nos nelas, sendo pessoas comuns, imersas no ritmo acelerado do século XXI?
Para compreender melhor esse ideal de sabedoria, podemos recorrer ao Huangdi Neijing, um dos textos clássicos do Daoísmo sobre saúde e longevidade.
Laozi retrata as pessoas sábias como figuras discretas e misteriosas, cuja presença é difícil de definir. Isto porque elas não vivem segundo padrões rígidos ou expectativas sociais, mas seguem o fluxo natural da existência.
As metáforas utilizadas evocam diferentes qualidades essenciais:
Prudência e vigilância: Assim como alguém que atravessa um rio gelado ou se encontra rodeado de inimigos, o sábio age com atenção e consciência, sem precipitação.
Efemeridade e simplicidade: Como o gelo que derrete ou o bloco não talhado (pu), a sábia não resiste à mudança, permitindo que a vida a molde naturalmente.
Receptividade e profundidade: O sábio é como um vale que acolhe sem impor barreiras e como a água que se renova sem esforço.
A última parte do capítulo sugere que quem segue o Dao evita excessos e, por isso, consegue envelhecer sem se desgastar, renovando-se constantemente. Aqui encontramos um princípio fundamental do Daoísmo: a moderação e o cultivo da vida (yang sheng), essenciais para a saúde física e mental.
O Huangdi Neijing dá-nos uma visão complementar sobre esse tema. No primeiro capítulo, o Imperador Amarelo (黃帝 Huangdi) questiona por que o seu povo adoece e morre cedo. O Médico Celestial, chamado de Qibo (岐伯), responde que isso acontece devido ao estilo de vida desregulado e ao desequilíbrio emocional. Como solução, ele menciona quatro tipos de pessoas que alcançaram longevidade e bem-estar, cada uma em um nível diferente de cultivo:
賢人 (xian ren – pessoa virtuosa): São aquelas que seguem os ritmos da natureza e organizam as suas vidas em harmonia com o Yin-Yang e as estações. Observam os ciclos naturais e fazem escolhas equilibradas para a saúde e o bem-estar. Este é um primeiro passo acessível para todos: cuidar da alimentação, do descanso e do equilíbrio emocional.
聖人 (sheng ren – sábio desapegado do mundo): Vivem com simplicidade, evitando excessos e inquietações. Não se deixam consumir por desejos ou ressentimentos e mantêm a calma e o contentamento. Este nível já exige um trabalho interior mais profundo, como desenvolver a aceitação e evitar perturbações desnecessárias.
至人 (zhi ren – pessoa suprema): Estes são os verdadeiros adeptos do Daoísmo, pessoas que vivem em perfeita harmonia com os ciclos da natureza e as energias subtis do universo. Distanciam-se dos costumes mundanos e cultivam um estado de pureza e plenitude interior.
真人 (zhen ren – pessoa verdadeira/perfeita): São aquelas que atingiram a união completa com o Dao. O seu corpo, mente e espírito estão totalmente integrados e a sua longevidade transcende os limites comuns da existência humana.
Estas quatro categorias ajudam-nos a compreender que a sabedoria do Daoísmo não exige que nos tornemos zhen ren de imediato. Podemos começar com pequenos passos, inspirando-nos no modelo dos xian ren e sheng ren, ajustando hábitos e cultivando serenidade. Isso já representa um grande avanço em direção ao equilíbrio e à longevidade.
A Meditação como Prática Essencial
Laozi questiona:
Quem pode permanecer imóvel e em silêncio enquanto a lama assenta?
A nossa mente, no dia a dia, é como um lago revolto e enlameado – cheia de distrações, pensamentos inquietos, emoções turbulentas e desejos conflitantes. Se tentarmos mexer na água com ansiedade e pressa, só a tornaremos ainda mais turva. Mas se simplesmente permitirmos que tudo se acalme, os sedimentos acomodam-se no fundo, e a água torna-se cristalina. Esse estado de clareza mental é o que nos permite perceber o Dao.
A respiração desempenha um papel essencial neste processo. Podemos vê-la como um portal entre mundos – do nosso estado habitual de consciência, preso ao físico e ao mental, para um estado mais profundo, onde nos vivenciamos como seres energéticos e espirituais. Como ressalta Solala Towler:
Quando nos sentamos para meditar e simplesmente respiramos, pensamentos e sentimentos semelhantes a sedimentos começam a acomodar-se, permitindo que o nosso ser se torne puro e límpido, como um lago prístino. Quando isso acontece, percebemos que muitos dos nossos processos de pensamento são apenas ilusões – armadilhas que nós mesmos criamos.
Aos poucos, à medida que nos tornamos cada vez seres mais límpidos e serenos, começamos a enxergar e descobrir partes de nós cuja existência desconhecíamos. Neste estado, podemos sentir o Dao, não como um conceito abstrato, mas como uma experiência direta de unidade e fluidez.
Aplicação Prática
Como podemos incorporar estes ensinamentos no nosso dia a dia?
Começar pelo essencial: Pequenos ajustes no estilo de vida, como dormir e acordar em horários regulares, alimentar-se de forma equilibrada e respeitar os ciclos naturais, já nos aproximam do ideal dos xian ren.
Reduzir os excessos e cultivar a tranquilidade: Praticar o desapego emocional e a moderação, como fazem os sheng ren, ajuda-nos a evitar desgastes desnecessários e viver de forma mais leve e equilibrada.
Observar e aprender com a natureza: Os sábios daoístas viam a natureza como um grande mestre. Prestar atenção ao fluxo das estações, ao ritmo da respiração e ao silêncio interior pode nos ajudar a alinhar o nosso corpo e mente com o Dao.
Praticar meditação regularmente: Sentar-se em silêncio e apenas respirar é um dos métodos mais eficazes para aquietar a mente e permitir que a lama assente. Quanto mais clareza tivermos, mais facilmente poderemos seguir o fluxo da vida com leveza e discernimento.
O Capítulo 15 ensina-nos que a verdadeira sabedoria não está em impor controlo, mas em aprender a observar, escutar e agir no momento certo. Quando nos alinhamos com o Dao, renovamo-nos constantemente sem esforço. E, como mostra o Huangdi Neijing, esse alinhamento também se reflete na saúde, permitindo-nos viver com mais equilíbrio, vitalidade e longevidade.
(Pode assistir ao resumo desta publicação aqui!)
Bibliografia
Bertschinger, R. (2015). Essential Texts in Chinese Medicine: The Single Idea in the Mind of the Yellow Emperor. Singing Dragon/Jessica Kingsley Publishers. Edição do Kindle.
Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.
Towler, S. (2019). Tao-Te King : uma jornada para o caminho perfeito : lições práticas
sobre o taoismo. Editora Pensamento-Cultrix [prefácio de Chungliang Al Huang; tradução Claudia Gerpe Duarte e Eduardo Gerpe Duarte].
Wang Bing (2001). Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo. Ícone [Tradução de José Ricardo Amaral de Souza Cruz; revisão técnica de Olivier-Michel Niepeeron].
Texto revisto com OpenAI: ChatGPT [Software]. https://openai.com
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