Realizar o verdadeiro eu - Reflexão Capítulo 7 do Dao De Jing
- Raquel Silva
- 4 de set. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 11 de jan.
Continuamos o estudo da obra Dao De Jing, entrando no sétimo capítulo onde o Velho Mestre nos diz:
O céu é eterno.
A Terra é eterna.
A razão pela qual são eternos
é porque não vivem para si próprios.
É por isso que são eternos.
A pessoa sábia coloca-se na retaguarda
mas acaba sempre à frente.
Ela não se preocupa com a sua própria segurança
mas mantém-se sempre segura.
Não é por ser altruísta
que ela é capaz de realizar o seu verdadeiro eu?
O Velho Mestre começa o capítulo destacando a eternidade do Céu e da Terra, que para o autor simbolizam os aspectos maiores e mais estáveis do universo. Essa eternidade sugere uma harmonia profunda com o Dao, o princípio fundamental que governa tudo.
O autor diz que a razão para que assim seja é porque o Céu e a Terra não existem para si mesmos, pelo contrário, servem o Todo, a totalidade do universo. Esta falta de egoísmo é o que lhes confere a eternidade. Ao não terem um propósito próprio, harmonizam-se completamente com o Dao, e assim permanecem eternos.
Trazendo para a esfera humana, a pessoa sábia não procura colocar-se em destaque ou à frente das outras, pelo contrário, ela age com humildade e posiciona-se na retaguarda. No entanto, justamente pela sua atitude desapegada e altruísta, acaba por conquistar o respeito e liderar de forma natural.
No mesmo sentido, Zhuangzi, o discípulo do Velho Mestre, afirma:
A pessoa que busca todo o conhecimento, demonstra parcialidade, segue o ritmo da sociedade ou anseia por reconhecimento e fama, não é verdadeiramente sábia.
A pessoa sábia também não coloca a sua própria segurança ou interesses em primeiro lugar. Ao agir de acordo com o Dao, a pessoa sábia não precisa preocupar-se com a sua segurança, pois ela é sustentada pela harmonia universal. Isto sugere que, ao deixar de lado as preocupações egoístas, a pessoa sábia alcança uma segurança maior, proveniente do equilíbrio com o Dao, vejamos:
Um velho e pobre camponês possuía um cavalo e o animal fugiu. À noite, as pessoas da vizinhança vieram manifestar o seu pesar, dizendo-lhe que ele tivera pouca sorte. O camponês respondeu simplesmente: "Talvez". No dia seguinte, o cavalo regressou acompanhado de seis éguas selvagens e, nessa noite, vieram felicitar o camponês dizendo-lhe que ele tivera muita sorte. O homem respondeu simplesmente: "Talvez". No dia seguinte, o filho do camponês montou uma das éguas selvagens e caiu partindo uma perna. À noite, regressa a vizinhança para lamentar a pouca sorte do camponês que simplesmente respondeu: "Talvez". No dia seguinte, chegaram à aldeia os funcionários do governo responsáveis pelo recrutamento de jovens para o exército. O filho do camponês não foi selecionado para o campo de batalha porque tinha a perna partida e à noite lá regressa a vizinhança para felicitá-lo uma vez mais, ao que o camponês simplesmente respondeu: "Talvez".
Ao não se colocar à frente, ao não se preocupar com a sua segurança, ao não chamar a atenção para si, a pessoa sábia é capaz de realizar o seu verdadeiro Eu (zhenren). É isto que Zhuangzi nos diz:
As pessoas sábias da antiguidade dormiam sem sonhar e acordavam sem ansiedade. A sua comida não era extravagante e a sua respiração era profunda. Com este tipo de pessoa - a sua mente é livre, o seu espírito é calmo, e a sua testa é suave. São tão frescas como o outono e tão mornas como a primavera. A sua alegria e raiva acontecem naturalmente, como as quatro estações. Elas estão em harmonia com todas as coisas e experimentam como se não tivessem limitações.
Quando nos deparamos com ansiedade, medo ou choque, é comum sentirmos a nossa respiração ficar contraída ou até mesmo parar - "ficamos sem ar". Ao respirarmos de forma superficial e acelerada, permanecemos num estado de "luta ou fuga". Aprender a respirar corretamente pode alterar o nosso metabolismo e até mesmo a química do nosso sangue. Isto ajuda-nos a acalmar, eleva o nosso espírito e pode até mudar a forma como respiramos durante o sono! Seguir "os sábios que respiram pelos calcanhares", em contraste com a respiração superficial que fazemos na atualidade, pode ser um caminho para nos alinharmos com a harmonia do mundo natural e experimentar a liberdade e plenitude que ela oferece.
Ao abrandar o ritmo, praticar wu wei e emular a longevidade da natureza, podemos aspirar a essa serenidade e sabedoria.
Para concluir, o Velho Mestre diz-nos que a realização do verdadeiro eu não se dá por meio da busca egoísta, mas através do altruísmo e da conexão com o Tao. Ao deixar de lado os desejos egoístas e servir o Todo, a pessoa sábia encontra a sua verdadeira essência e realiza o seu potencial máximo. Assim, este capítulo reforça que a verdadeira sabedoria e realização pessoal não vêm da busca egoísta, mas do altruísmo e da harmonia com o Dao.
O Céu e a Terra são eternos porque não vivem para si mesmos, e a pessoa sábia realiza-se ao seguir esse exemplo. Ao agir com humildade, altruísmo e alinhamento com o Dao, a pessoa alcança a verdadeira segurança e encontra o seu verdadeiro Eu.
Prática: Respirar pelos "calcanhares"
Ao praticarmos uma respiração consciente e profunda, podemos acalmar o nosso sistema nervoso, aumentar a oxigenação do corpo e promover um estado de relaxamento. A respiração lenta e profunda estimula o sistema nervoso parassimpático, responsável por reduzir a frequência cardíaca e induzir um estado de calma e equilíbrio. Assim, ao nos conectarmos com a respiração, somos capazes de dissipar a ansiedade, o medo e o choque, permitindo-nos encontrar um estado de serenidade e paz interior. Portanto, dedique tempo à prática de técnicas de respiração adequadas para transformar a sua saúde física, mental e emocional.
Fique de pé, sente-se na borda de uma cadeira ou numa almofada, ou mesmo deite-se. Certifique-se de que não está a usar um cinto ou roupa apertada que restrinja a sua respiração. Coloque a ponta da língua no céu da boca para ligar o Du e Ren mai.
Respire pelo nariz, lenta e profundamente, permitindo que o seu abdómen se expanda a cada inspiração e se contraia a cada expiração. Não exagere na expansão e contração; em vez disso, mantenha-a agradável e suave.
Sinta cada respiração a entrar pelo nariz e a descer para os pulmões e depois até ao dantian inferior, na parte inferior do abdómen. Após algum tempo, sinta o seu abdómen expandir-se e contrair-se não só pela frente, mas também para ambos os lados e para a parte inferior das costas.
Sinta todo o seu ser a expandir e a contrair com cada respiração.
Se a sua energia for débil, preste atenção às suas inspirações, tornando-as longas e lentas.
Se tiver muita tensão ou sofrer de hipertensão arterial, preste mais atenção às suas expirações, fazendo-as longas e lentas.
Faça esta prática de respiração durante dez a vinte minutos. Quanto mais lenta e profunda for a respiração, mais benefícios obterá. Ao respirar desta forma regularmente, irá mudar a sua forma habitual de respirar, continuando a prática mesmo quando está a dormir!
Referências bibliográficas
Chuang Tse (1992). Capítulos Interiores. Editorial Estampa. [Tradução António Manuel Guedes de Campos, sobre a versão em língua inglesa de Gia-Fu Feng e Jane English]
Lao Tse (2010). Tao Te King - O livro do Caminho e do Bom Caminhar. Relógio D'Água Editores [Tradução e Comentários de António Miguel de Campos].
Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.
OpenAI. (2021). ChatGPT [Software]. https://openai.com/
コメント