Sem excessos - Reflexão sobre o Capítulo 9 do Dao De Jing

Entramos num capítulo que nos convida ao cultivo da moderação. No nono capítulo o Velho Mestre diz-nos:

Encher demasiado um recipiente não é tão bom

como parar antes que esteja cheio.

Se afiar demasiado uma lâmina, esta perderá o seu fio.

Acumule ouro e jade

e será impossível guardá-los.

Ao perseguir postos e títulos

de uma forma arrogante e altiva

provocará a sua própria queda.

Ao terminar o trabalho, retire-se.

Este é o caminho do Dao.

Dando continuidade ao discutido nos capítulos anteriores, o Velho Mestre aconselha-nos a viver em harmonia com o princípio de wu wei, evitando os extremos que, obrigatoriamente, levam ao insucesso e frustração com a vida.

Encher demasiado um recipiente resulta em perda e confusão, imagine encher um copo com água sem parar, eventualmente transborda...

Encher um recipiente é também "encher o corpo" de experiências como emoções, pensamentos, queixas e desejos que, em si mesmos, não são problemáticos, até que se avolumem e excedam a nossa capacidade de lidar com eles. Quando sempre queremos "mais" (sejam bens materiais, poder, sucesso, conhecimento, etc.), ultrapassamos o ponto de harmonia. Assim, o Velho Mestre diz-nos que é melhor parar antes do excesso, mantendo as coisas em equilíbrio.

Da mesma forma, afiar demasiado uma lâmina - i.e., fazer demais, esforçar-se demais - pode ser contraproducente. A busca pela perfeição absoluta pode destruir aquilo que estamos a tentar aprimorar. Uma lâmina afiada demais perde a sua funcionalidade, o que significa que o exagero pode gerar o oposto do que desejamos. A mente é afiada como uma lâmina, mas quando pensamos em excesso, dificilmente agimos - é a chamada "paralisia por análise" - tornamo-nos ineficazes.

O acúmulo de riqueza é igualmente problemático. O apego material acarreta problemas, pois quanto mais temos, mais difícil se torna preservar ou proteger esses bens. Quanto mais nos apegamos ao “ouro e ao jade”, ou à riqueza e à felicidade, ou mesmo à busca da iluminação, mais nos sujeitamos aos “ladrões” - pensamentos negativos, emoções, desejos e atividades destrutivas. O desapego é um caminho para a serenidade.

No mesmo sentido, a ambição desmedida e a arrogância, também nos podem levar à ruína. Muitas vezes pensamos que, se estamos a ir bem num determinado aspeto, podemos levá-lo ao extremo e, com certeza, fazer ainda melhor. Esta é uma máxima do espírito do nosso tempo: potencial máximo, alta performance... Só que não raras vezes acontece o contrário e caímos na exaustão, isolamento e perda de perspectiva.  Por isso a humildade é um valor essencial em várias tradições e culturas. A humildade, permite-nos reconhecer os nossos limites, apreciar os nossos sucessos e aprender com os nossos erros, construindo um caminho sólido e sustentável.

"Ao terminar o trabalho, retire-se" - este é um ensinamento precioso! Após cumprir o seu dever ou concluir um trabalho, é melhor afastar-se e não se apegar aos resultados ou à expectativa de reconhecimento. Isto reflete a atitude de não-forçar (wu wei), ou seja, agir de acordo com o fluxo natural das coisas e, uma vez que o esforço foi feito, deixar as coisas seguirem o seu curso. Seguimos em frente, com as mudanças e não contra elas, porque tentar controlar a mudança para nosso próprio benefício é um esforço inútil. Ao reconhecer a impermanência e a futilidade de resistir às mudanças, encontramos paz interior e sabedoria.

Exagerar, encher demais ou afiar demais - tudo leva ao fracasso. Se formos contra a natureza, seja a grande Natureza ou a natureza do nosso próprio ser, estamos a gerar problemas e, esta atitude altiva e arrogante, provocará a nossa própria queda! O "caminho do Dao" é o de harmonia com a natureza e com o fluxo natural da vida. Ele não se encontra em exageros, nem em ambição, mas sim no equilíbrio, na simplicidade e na humildade. Ao viver em conformidade com o princípio de wu wei, transcendemos os extremos e alcançamos a verdadeira harmonia com o universo.

Sugestão de prática: A arte de "Não Fazer" no dia a dia

1. Comece por identificar o "excesso" na sua rotina:

   • Faça um diário: Durante uma semana, anote todas as atividades, pensamentos e emoções.

   • Observe os padrões: Identifique onde sente sobrecarga, ansiedade ou frustração. Em que áreas da sua vida está "enchendo demasiado" a sua taça? Trabalho, relacionamentos, hobbies, redes sociais?

   • Pratique honestidade radical: Não tenha medo de admitir que às vezes esforça-se demais ou preocupa-se com coisas que estão fora do seu controlo.

2. Introduza o "wu wei" na sua rotina:

• Escolha uma área para começar: Comece com uma área da sua vida onde sente mais sobrecarga e introduza pequenas mudanças.

• Simplifique: Reduza as tarefas, elimine compromissos desnecessários e aprenda a dizer não. Por exemplo, no trabalho, tente delegar tarefas; foque-se nas tarefas mais importantes e deixe as menos urgentes para depois. Faça pausas regulares: levante-se da cadeira, alongue-se e respire fundo ao longo do dia.

• Cultive a presença: Pratique mindfulness para estar mais presente e evitar se preocupar com o futuro.

• Conecte-se com a natureza: Passe mais tempo na natureza, observe os ciclos naturais e encontre inspiração na simplicidade.

• Celebre as pequenas vitórias: Reconheça e celebre os seus progressos, mesmo que sejam pequenos.

3. Adapte o "wu wei" à sua vida:

• Seja flexível: O "wu wei" não significa inação, mas sim agir de forma espontânea e em harmonia com o fluxo da vida.

• Encontre o seu ritmo: Descubra qual é o seu ritmo ideal e trabalhe de acordo com ele.

• Adapte-se às mudanças: Aceite as mudanças como parte natural da vida e aprenda a fluir com elas.

A prática do "wu wei" é um processo contínuo. Seja paciente e celebre cada pequeno passo. Boa prática!

(Pode assistir ao vídeo com o resumo desta publicação aqui!)

Bibliografia

Towler, S. (2016). Practicing the Tao Te Ching - 81 Steps in the Way. Sounds True.

OpenAI. ChatGPT [Software]. https://openai.com/

OpenAI. Gemini [Software]. https://gemini.google.com