Yoga da ação: A Terceira Estância da Bhagavad Gita
- Raquel Silva
- 12 de mar.
- 8 min de leitura
O campo de batalha de Kurukshetra estendia-se diante de Arjuna como um oceano de destinos entrelaçados. O som das conchas anunciava a guerra iminente, mas o coração do guerreiro hesitava. O peso da dúvida afundava-lhe o espírito. Virou-se para Krishna, seu amigo e mestre, com um olhar carregado de incerteza.
— Ó Krishna! Se dizes que o desapego é superior à ação, porque então me pedes que lute nesta guerra terrível? — perguntou Arjuna, a voz misturada com angústia e confusão. — As tuas palavras parecem contraditórias. Qual é o verdadeiro caminho que me levará à realização suprema?
Krishna, sentado serenamente na sua carruagem, olhou para ele com compaixão e respondeu com a voz firme de quem conhece as verdades eternas:
— Antes falei-te de dois caminhos para a perfeição, Arjuna. O caminho da sabedoria, para aqueles que contemplam e discernem, e o caminho da ação correta, para aqueles que vivem no mundo e devem agir. Mas não te iludas: ninguém alcança a libertação pela inação. A simples recusa de agir não conduz à perfeição.
Arjuna escutava atentamente, tentando absorver aquelas palavras. Krishna prosseguiu:
— O ser humano não pode ficar inativo nem por um momento, pois as forças da natureza — as três gunas — impelem tudo à ação. Mesmo aquele que tenta evitar agir, mas ainda se prende aos desejos dos sentidos, apenas engana a si mesmo. O verdadeiro sábio, porém, age sem apego. Ele controla os seus sentidos, e as suas ações são uma oferenda ao Supremo.
Krishna então inclinou-se levemente para a frente, a sua voz adquirindo um tom de revelação:
— Arjuna, faz o teu dever. A ação é melhor do que a inação. Mesmo o teu corpo depende da atividade vital para existir. Mas há um segredo: quem age sem desejo pelo fruto da ação, quem trabalha como se cada ato fosse um sacrifício sagrado, esse liberta-se da escravidão do karma.
Arjuna ficou pensativo. Krishna continuou:
— O Criador estabeleceu um ciclo sagrado no mundo: a vida alimenta-se do alimento, que vem da chuva, que nasce do sacrifício. Quando as pessoas vivem em harmonia com este ciclo, o equilíbrio é mantido. Mas quem desfruta dos dons do mundo sem partilhar, sem oferecer, vive em vão. O verdadeiro sábio compreende este fluxo e age nele sem apego, encontrando alegria no próprio Espírito.
Os olhos de Arjuna refletiam as chamas da compreensão, mas a dúvida ainda o assombrava.
— Se até mesmo aquele que alcança o conhecimento deve agir, Krishna, então como distinguir aquele que age por egoísmo daquele que age com sabedoria?
Krishna sorriu, como um mestre satisfeito ao ver a centelha da compreensão no seu discípulo.
— O humano sábio age, mas não para si próprio. Ele age porque sabe que o mundo o observa. Os grandes líderes, os reis justos, os mestres da humanidade, todos atuam com retidão, pois as suas ações tornam-se exemplo para os outros. Arjuna, até Eu, que não tenho nada a alcançar, continuo a agir. Se Eu não agisse, o mundo mergulharia no caos. A inação não é uma opção.
Arjuna franziu o sobrolho, ponderando.
— Mas Krishna, o que nos leva a agir de forma errada? O que nos empurra para a ação pecaminosa, mesmo quando não o queremos?
Krishna então revelou um dos maiores segredos da alma humana:
— É o desejo, Arjuna. O desejo insaciável, nascido da paixão, transforma-se em raiva quando frustrado. Ele obscurece a mente como o fumo cobre a chama, como a poeira encobre o espelho. O desejo é o inimigo da sabedoria, pois mantém-nos presos à ilusão do "eu" e do "meu".
Arjuna baixou a cabeça, refletindo sobre quantas vezes já tinha sido escravizado pelo desejo e pela raiva.
— Então, como vencê-lo, Krishna? Como libertar-me dessa prisão?
O Senhor da Vida ergueu o olhar para além do horizonte, como se visse muito além do campo de batalha.
— Controla os teus sentidos, Arjuna. Fortalece a tua mente. A mente é mais poderosa do que os sentidos, mas acima da mente está a razão, e acima da razão, está o Eu Supremo. Conhece esse Eu, reflete sobre ele, e serás livre.
Krishna voltou-se para Arjuna com um olhar intenso.
— Entrega todas as tuas ações a Mim. Não te deixes prender pela ilusão do ego. Luta, não por ódio ou ambição, mas porque é o teu dever. A paz não está na fuga da batalha, mas na ação feita sem apego.
A carruagem ficou em silêncio por um momento. O vento soprava suavemente sobre Kurukshetra, e as bandeiras tremulavam no campo de guerra. Arjuna respirou fundo, sentindo que algo dentro dele começava a mudar.
O guerreiro que tinha chegado ali em dúvida e medo começava a ver a verdade. Não se tratava apenas de uma guerra externa — era uma batalha interna, contra o desejo, contra a ilusão, contra o ego. E agora, guiado pelas palavras do Mestre Divino, ele começava a compreender o verdadeiro significado da ação.
O Karma Yoga não era apenas lutar com as mãos. Era lutar com o coração desapegado.
Era agir sem medo.
Era viver sem correntes.
E naquele instante, Arjuna começou a entender o seu papel naquela batalha.

Karma Yoga: A Sabedoria na Ação
Na terceira estância da Bhagavad Gita, Krishna explica a Arjuna a importância da ação correta (karma yoga) e esclarece a relação entre ação e conhecimento. Esta estância aprofunda o ensinamento de que a vida não deve ser desperdiçada apenas em esforços materiais, mas sim direcionada para um propósito maior, alinhado com o dharma individual.
Arjuna, como um guerreiro (kshatriya), sente o peso do seu dever e a angústia da guerra iminente. Ele sabe que tem uma missão no mundo, mas hesita, questionando a necessidade de agir. Ele percebe que os sucessos materiais são apenas um meio e não um fim, mas teme que qualquer ação o prenda ao ciclo do karma.
Krishna explica-lhe: não é a ação em si que prende o ser humano, mas o apego aos frutos da ação. A verdadeira libertação não está na inação, mas em agir sem desejo de recompensa. Krishna enfatiza que ninguém pode permanecer inativo – até mesmo o corpo e a mente estão sempre em movimento. A questão não é se devemos agir, mas como devemos agir.
Ação e Conhecimento: Complementares, Não Opostos
Na segunda estância, Krishna afirmou que "a ação é inferior ao yoga do conhecimento", levando Arjuna a perguntar: Se o conhecimento é superior à ação, por que me pedes para lutar nesta guerra horrível?
Krishna esclarece que o conhecimento verdadeiro (jnana) não é alcançado pela mera recusa da ação, mas sim pelo refinamento da ação através do desapego. O Karma Yoga e o Jnana Yoga não são caminhos concorrentes, mas complementares. A mente, ao atuar sem apego, purifica-se e gradualmente torna-se apta a contemplar o absoluto.
Para algumas pessoas, a disciplina da ação (karma yoga) é o primeiro passo para esgotar os condicionamentos mentais e desenvolver a equanimidade. Para outras, a contemplação (jnana yoga) surge naturalmente. Ambos os caminhos levam à mesma realização. Krishna ensina que cada pessoa deve seguir o caminho adequado ao seu temperamento – a pessoa ativa deve agir corretamente, e a contemplativa deve cultivar o discernimento.
O Verdadeiro Significado de Karma Yoga
Krishna diz que a ação sem apego (nishkama karma) é a chave para a libertação. Isso significa:
Agir sem obsessão pelo resultado: A preocupação excessiva com os frutos da ação cria ansiedade e reforça o ego.
Oferecer a ação como um sacrifício: Qualquer trabalho feito com espírito de serviço e dedicação torna-se libertador. O yajna não se refere apenas aos rituais védicos, mas a toda ação realizada sem egoísmo, para o benefício do todo.
Superar os desejos que nos escravizam: Krishna explica que o desejo (kama), quando frustrado, gera raiva e desequilíbrio. O verdadeiro domínio dos sentidos ocorre quando a pessoa já não é escrava das suas preferências e aversões.
A renúncia ensinada por Krishna não é a rejeição do mundo, mas a renúncia ao apego. Ele próprio, como representante do Divino, age incessantemente. Se nem mesmo Deus está inativo, como poderia o ser humano recusar-se a agir?
A Economia da Abundância e o Ciclo Natural da Vida
Krishna introduz uma visão profunda sobre a abundância: quando as ações são feitas com desapego e espírito de serviço, a natureza retribui de forma espontânea. O universo opera em ciclos de troca – assim como os rios fluem para o oceano e retornam como chuva, a energia circula quando não é bloqueada pela avareza e pelo egoísmo.
O conceito de abundância aqui difere da ideia moderna de "atrair tudo o que se deseja". Krishna ensina que, quando se vive em harmonia com o dharma, as necessidades são naturalmente supridas. Não há necessidade de esforço excessivo ou competição desmedida. A pessoa que age com espírito de doação sente-se plena e liberta da ansiedade da escassez.
No entanto, Krishna alerta que a ganância rompe esse fluxo natural. Assim como os pássaros encontram alimento porque seguem seu dharma sem hesitação, os humanos que agem com desapego descobrem que a vida lhes fornece exatamente o que é necessário.
Seguir o Próprio Dharma
Krishna adverte que é melhor seguir o próprio dharma, mesmo que de forma imperfeita, do que imitar o caminho de outra pessoa. Cada ser tem um propósito único e deve agir de acordo com a sua natureza essencial.
Muitas vezes, a sociedade pressiona para que se siga caminhos já trilhados, mas o crescimento verdadeiro ocorre quando cada um encontra a sua própria rota. Mesmo que seja um caminho árduo e solitário, é nele que se encontra a verdadeira realização.
Quando Arjuna pergunta o que nos afasta deste caminho, Krishna responde: o desejo. A mente, dominada pela ilusão de que lhe falta algo, busca incessantemente preencher esse vazio com experiências externas. Mas esse desejo nunca se sacia e gera mais insatisfação. A libertação acontece quando a atenção se volta para dentro e se descobre que a paz sempre esteve presente.
Aplicação na Vida Diária: A Sabedoria na Ação
Desapego na Ação
Pratique agir sem esperar reconhecimento ou recompensa.
Observe como se sentes quando faz algo apenas pelo prazer de contribuir.
Servir Como Prática Espiritual
Experimente ver cada tarefa como um serviço.
Pequenos atos de generosidade criam um ciclo positivo de bem-estar.
Confiança no Fluxo da Vida
Observe como as coisas chegam até si no momento certo quando age corretamente.
Confie mais no processo do que na necessidade de controlo.
Superação do Desejo e do Apego
Quando sentir ansiedade por algo, questione: Isto vem de uma necessidade real ou de um desejo do ego?
Experimente desapegar-se do resultado e apenas observar como a vida se desenrola.
O Karma Yoga ensinado por Krishna não é um chamado à resignação, mas sim à ação consciente e livre de ego. Ao agir com desapego e espírito de serviço, a pessoa transcende o sofrimento e encontra verdadeira liberdade.
A Bhagavad Gita não prega a negação da vida, mas sim a sua vivência com sabedoria. O objetivo não é parar de agir, mas agir sem sermos escravizadas pelos frutos da ação. Assim, a mente purifica-se, o conhecimento floresce, e o indivíduo encontra paz no meio do movimento da vida. Quem compreende e pratica isto torna-se um verdadeiro mestre de si mesmo – não porque abandona o mundo, mas porque aprendeu a viver nele sem ser dominado por ele.
Bibliografia
Feuerstein, G. e Feuerstein, B. (2015). Bhagavad-Gītā: uma nova tradução. Editora Pensamento-Cultrix [tradução do inglês por Marcelo Brandão Cipolla].
Swami Chinmayananda (1996). Holy Geeta. Central Chinmaya Mission Trust [Comentários de Swami Chinmayananda].
Swami Sadashiva Tirtha (2007). Bhagavad Gita for Modern Times: Secrets to Attaining Inner Peace & Harmony. Sat Yuga Press.
Vyasa (2022). Bhagavadgita: O Canto do Bem-Aventurado. Edições Agnimile/Nova Acrópole [tradução do sânscrito e introdução por Ricardo Louro Martins].
Texto revisto com OpenAI: ChatGPT [https://openai.com]
Imagem criada com inteligência artificial generativa [freepik.com].
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