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Yoga do Desalento de Arjuna - Reflexão sobre a 1ª Estância da Bhagavad Gita

  • Foto do escritor: Raquel Silva
    Raquel Silva
  • 15 de fev.
  • 8 min de leitura

O Campo de Batalha

No alvorecer de um dia que parecia suspenso entre a esperança e o desespero, os exércitos dos Kauravas e dos Pandavas alinharam-se no vasto campo de Kurukshetra, prontos para o embate que definiria o destino de reinos e almas. Do lado dos Kauravas, o príncipe Duryodhana, cheio de confiança, destacava os seus valentes guerreiros - nomes que evocavam poder e bravura, desde heróis lendários até os mais temíveis combatentes, todos dispostos a lutar pelo que acreditavam ser justo.


Enquanto isso, o rei cego Dhritarashtra, em sua segurança à distância, perguntava com ansiedade ao seu ministro Samjaya: “Que fizeram eles, neste campo sagrado do dharma?”. E assim, a atmosfera vibrava com o som dos búzios, tímpanos e tambores que ecoavam como o rugir de um leão, anunciando a iminência da batalha.


Kurukshetra – Campo de Batalha: Num cenário épico, os Pandavas – com os quatro irmãos de Arjuna – enfrentam os Kauravas, que reúnem figuras como Druna, Bhishma e os cem irmãos de Duryodhana, aliados ao formidável exército de Krishna. No centro desta narrativa, Krishna e Arjuna destacam-se: Arjuna, o herói Pandava, e Krishna, a divindade que o guia no carro de guerra. Aqui, guerreiros dotados de armas mágicas, alguns semideuses, batalham pela conquista do reino cuja capital era Hastinapura (atual Délhi).
Kurukshetra – Campo de Batalha: Num cenário épico, os Pandavas – com os quatro irmãos de Arjuna – enfrentam os Kauravas, que reúnem figuras como Druna, Bhishma e os cem irmãos de Duryodhana, aliados ao formidável exército de Krishna. No centro desta narrativa, Krishna e Arjuna destacam-se: Arjuna, o herói Pandava, e Krishna, a divindade que o guia no carro de guerra. Aqui, guerreiros dotados de armas mágicas, alguns semideuses, batalham pela conquista do reino cuja capital era Hastinapura (atual Délhi).

No meio deste tumulto, o jovem arqueiro Arjuna, um dos filhos-de-Pandu, pediu a Krishna—o seu querido amigo e guia - que conduzisse a sua carruagem até ao coração do campo, onde os inimigos se aglomeravam. Ao erguer os olhos, Arjuna vislumbrou não só adversários, mas rostos conhecidos: pais, avôs, mestres, tios, irmãos, amigos e até os seus próprios filhos e netos, todos agora postos como guerreiros, forçados por dever e lealdade a lutarem uns contra os outros.

O seu coração, antes firme e determinado, começou a fraquejar. Num instante, a confiança deu lugar a um profundo desespero: os membros tremiam, a boca secava e o próprio arco escapava-lhe das mãos. “Ó Krishna”, murmurou Arjuna, “como posso lutar contra aqueles que tanto amo? Que sentido terá a vitória se ela custar a destruição da nossa própria família, o derramamento de sangue dos nossos entes queridos?”


As palavras de Arjuna ecoaram como um lamento, transformando o campo de batalha num cenário de conflito interior, onde a razão e o sentimento travavam uma batalha tão intensa quanto a que se desenhava à frente. Consumido pela tristeza e pela dúvida, o arqueiro desceu do assento da carruagem, tomado por uma ansiedade paralisante, deixando transparecer o seu terror ao pensar no preço da guerra.


Assim se encerra o primeiro capítulo, ou primeira estância, onde o grito de guerra se mistura com o choro silencioso de um homem dividido entre o dever e o amor, num prelúdio que prenuncia os ensinamentos profundos que Krishna está prestes a revelar.


Um Primeiro Olhar

Esta análise da Bhagavad Gita não se propõe a ser um estudo académico, histórico ou estritamente religioso, mas sim uma partilha da minha experiência humana diária. Como pessoa que, na busca de sentido e propósito, muitas vezes se sente confusa e imersa em dúvidas, vejo este texto sagrado como um convite à reflexão pessoal. O que partilho aqui é, inevitavelmente, uma interpretação subjetiva e limitada pela minha própria vivência, mas que pode ressoar com quem, independentemente da origem dos ensinamentos, procura orientação para enfrentar os desafios do dia a dia.


Na primeira estância da Gita, é-nos apresentado o profundo desalento de Arjuna. À beira da batalha, ele questiona o sentido de lutar e, sobretudo, de matar os seus próprios familiares. Diante do dilema entre cumprir o dever de guerreiro e honrar os laços de sangue, Arjuna coloca-se como objetor de consciência, afirmando que preferiria ser morto do que ser responsável pela morte dos seus entes queridos.


Este momento de intensa vulnerabilidade, onde a dúvida e o medo se sobrepõem, é algo que todos e todas experimentamos em situações quotidianas. Pensemos na dificuldade de decidir se devemos denunciar uma injustiça no trabalho, mesmo sabendo que isso pode afastar amizades e colegas; ou na escolha de manter a integridade ao confrontar um familiar que desvia do caminho ético; ou ainda, no momento em que nos vemos divididos entre o que é esperado e o que sabemos ser certo, mesmo que isso signifique enfrentar a rejeição e o isolamento. Nestas encruzilhadas, o orgulho muitas vezes cede lugar à humildade e ao pedido de ajuda.


Assim como Krishna, o mestre que guia Arjuna a enfrentar os Kauravas – e, simbolicamente, as batalhas internas que todos travamos – somos chamados a encontrar o equilíbrio entre o dever e o amor. A Gita revela a luta universal do ser humano e mostra que o despertar da consciência passa inevitavelmente pelo confronto com a dor e os desafios. É essa jornada de transformação, onde a dor e o conflito se tornam motores para o crescimento interior, que nos leva a alcançar a nossa essência intemporal e imutável.


As Personagens Mais Importantes


Kauravas

Os Kauravas simbolizam os aspetos mais densos da nossa personalidade – os defeitos, o egoísmo, a ambição desenfreada e a busca insaciável por poder. Em essência, representam o nosso lado mais mundano e materialista, aquela parte que se deixa levar por distrações exteriores e se esquece de explorar o seu interior. São as facetas que, por comodidade, preferem ceder aos vícios em vez de lutar contra eles; o sabotador interno que silencia a nossa consciência, roubando-nos a paz, a saúde e o autoconhecimento. Essa inércia impede o nosso crescimento pessoal, representando, de facto, a morte do nosso verdadeiro Ser.


Pandavas

Os Pandavas, por sua vez, simbolizam as forças positivas que nos impulsionam a crescer e evoluir. Representam a parte de nós que ouve a Voz Interior e segue as suas orientações, aquela que não teme encarar a própria sombra, mas ilumina os recantos escuros da consciência. São as forças que nos ajudam a superar feridas e a nos reconstruir, elevando-nos rumo ao nosso potencial mais elevado – a centelha divina que habita em cada um e cada uma de nós. Movidas pela compaixão, estas partes reconhecem o divino e transformam a nossa essência, guiando-nos para uma versão mais autêntica e integrada de nós mesmos.


Arjuna

Arjuna é a imagem de toda a humanidade. Cada um e cada uma de nós enfrenta batalhas internas, e todos já sentimos o peso da dor e do esforço necessário para superar desafios. Quem nunca se sentiu rejeitado, abandonado, humilhado, traído ou injustiçado pela vida? Em resposta, desenvolvemos estratégias de defesa, criamos armas mágicas para enfrentar os obstáculos, e, quantas vezes, percebemos que essas mesmas armaduras se tornam um fardo. Que, para nos proteger, magoamos alguém. Que, para alcançar o sucesso, silenciamos uma parte de nós ou traímos um princípio. Tais experiências deixam feridas na alma e, por vezes, sentimo-nos sós nessas batalhas. Contudo, ao reconhecer que, na nossa história pessoal, somos o nosso próprio herói – somos, em essência, Arjuna – percebemos que essa luta é compartilhada por toda a humanidade. Esta consciência coletiva fortalece-nos, lembrando-nos que uma pequena derrota não define a batalha. O ser humano constrói-se com esforço e disciplina; lembre-se:

não nascemos humanos, tornamo-nos humanos.

Krishna

Krishna encarna a Suprema Divindade e, ao mesmo tempo, atua como mestre e conselheiro, guiando Arjuna no seu caminho. Ele representa a intuição, a Voz Interior – o Eu Superior que nos fala, orientando-nos para a verdadeira transformação. Em situações do dia a dia, essa orientação pode manifestar-se quando escolhemos agir com integridade no trabalho, mesmo que seja mais fácil ignorar um erro, ou quando optamos pela honestidade nos relacionamentos, mesmo que a mentira pareça uma saída rápida.

Assim como Arjuna recebe a orientação de Krishna, Duryodhana também tem um mestre que lhe ensina técnicas maléficas. Os mestres da luz e da sombra possuem o mesmo conhecimento, mas aplicam-no de forma oposta. A corrupção surge quando cedemos aos impulsos inferiores – por exemplo, quando a ambição nos leva a prejudicar colegas ou quando o egoísmo nos faz desrespeitar os nossos compromissos. Por outro lado, o nosso Eu Superior manifesta-se através do amor, do arrependimento e do altruísmo, guiando-nos a tomar decisões que, embora desafiadoras, contribuem para o nosso crescimento pessoal e para o bem comum.


O Desalento de Arjuna e a Experiência Humana

Após explorarmos o simbolismo dos personagens – dos Kauravas, representando os aspectos densos e egoístas da nossa personalidade, aos Pandavas, que nos inspiram a buscar o verdadeiro eu, passando pelo próprio Arjuna, reflexo de toda a humanidade, e pela orientação transformadora de Krishna – é chegado o momento de nos voltarmos para a experiência vivida por Arjuna. É nessa luta interna, carregada de dúvidas, medos e dilemas éticos, que encontramos paralelismos com os desafios do nosso quotidiano. Vamos agora refletir sobre como esse conflito, entre o dever e o amor, entre as sombras e a luz, se manifesta na nossa vida e como podemos, tal como Arjuna, encontrar forças para transformar a dor em crescimento interior.


No campo de batalha, Arjuna é atingido pelo dilema devastador de ter que lutar contra familiares e amigos. De um lado, sente o peso do conflito entre deveres: o dever de guerreiro e o compromisso com os laços afetivos. Este choque mergulha-o numa ansiedade profunda, paralisando-o pelo fardo ético de matar aqueles que um dia o amaram e protegeram. Para Arjuna, estes familiares e amigos representam não só a realidade externa, a sua família, mas também as suas sombras internas – as feridas e máscaras que moldaram a sua identidade. São traços do seu passado, como a criança traída que se transforma num adulto ciumento, que podem ser tóxicos e destrutivos, mas que também guardam memórias dos cuidados e do afeto que o formaram.


Estudar a Gita é, portanto, identificar-se com Arjuna, reconhecendo que todas as pessoas enfrentam batalhas internas semelhantes, onde forças opostas se confrontam: de um lado, os "Kauravas", os impulsos egoístas, o modo de sobrevivência e a resistência à mudança; de outro, os "Pandavas", que simbolizam a busca pelo verdadeiro eu e o desenvolvimento do nosso potencial humano.


Arjuna vê-se forçado a lidar com questões essenciais: Como determinar o que realmente importa? A ética pode sobrepor-se aos laços afetivos ou à pressão social? Vale a pena lutar por um ideal se isso implica destruir relações preciosas e causar sofrimento? E, sobretudo, como podemos ser autênticos e éticos quando, na nossa própria essência, carregamos tanto os Pandavas quanto os Kauravas? Será legítimo "matar" esses aspectos internos?


Estas perguntas, longe de serem simples, revelam os muitos tons de cinzento que permeiam a vida humana. É nesse terreno de dúvidas e vulnerabilidades que Krishna inicia o seu ensinamento a partir da segunda estância, abordando temas como a ilusão, a eternidade do espírito, o dever (Dharma), a causa e efeito (Karma), a ação correta e os diversos caminhos do yoga.


Em conclusão, a Gita não se resume a um tratado de guerra; ela é um espelho das lutas interiores de toda a humanidade. Ao aprender com Arjuna e Krishna, descobrimos que o verdadeiro desafio reside em superar as nossas fraquezas e encontrar equilíbrio entre o dever e a ética, entre o amor e a responsabilidade. É através desse despertar da consciência que nos aproximamos de uma vida plena, onde a ação, guiada pelo autoconhecimento e pelo altruísmo, se torna o caminho para a transformação pessoal e coletiva.


Bibliografia

Feuerstein, G. e Feuerstein, B. (2015). Bhagavad-Gītā: uma nova tradução.  Editora Pensamento-Cultrix [tradução do inglês por Marcelo Brandão Cipolla].

Swami Sadashiva Tirtha (2007). Bhagavad Gita for Modern Times: Secrets to Attaining Inner Peace & Harmony. Sat Yuga Press.

Vyasa (2022). Bhagavadgita: O Canto do Bem-Aventurado. Edições Agnimile/Nova Acrópole [tradução do sânscrito e introdução por Ricardo Louro Martins].

Texto revisto com OpenAI: ChatGPT [Software]. https://openai.com

Imagem criada com inteligência artificial generativa [freepik.com].

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